sexta-feira, 23 de abril de 2010

Mentalidade de "vale tudo"


Da crónica intitulada "As instituições e o carácter", da autoria de João Pedro Rosas, publicada na edição de ontem do jornal i, permito-me transcrever isto:

"... os cidadãos que vivem em regimes anti-democráticos desenvolvem um carácter baseado no medo, na autocensura, na impossibilidade de confiar seja em quem for, tal como a capacidade de deduzir aquilo que não pode ser dito. Num enquadramento institucional liberal-democrático, o carácter humano muda: o medo dá lugar à reivindicação, a desconfiança dá lugar à concordância ou à oposição, a capacidade para ler nas entrelinhas é substituída pela procura do sentido explícito.

Da mesma forma, aqueles que vivem em sociedades razoavelmente justas, com igualdade efectiva de oportunidades e poucas desigualdades sociais (nas sociais-democracias nórdicas, por exemplo), tendem a ser autoconfiantes e também leais à ordem social existente. Quando as instituições da justiça social não existem, ou funcionam mal, geram-se incentivos para comportamentos mais egoísticos e para uma maior propensão para a fraude e o compadrio. A percepção da falta de equidade social gera uma mentalidade de "vale tudo".

Devemos interrogar-nos sobre o tipo de caráctar humano e de "sentimentos morais" que as instituições da democracia portuguesa têm favorecido. Houve certamente um grande progresso com a derrota do medo e da hipocrisia que as instituições repressivas do Estado Novo favoreciam. Mas noutras esferas institucionais os resultados não são assim tão brilhantes. A incerteza e a demora na administração da justiça, a ineficiência fiscal, a extrema desigualdade de rendimentos, o facilitismo do sistema educativo, os excessos do crédito ao consumo, etc., favoreceram um tipo de carácter que se repete em todos os domínios de actividade: o carácter do chico-esperto, do que vive na impunidade, daquele que restringe a sua existência ao domínio privado e maltrata o domínio público (o Código da Estrada, o ambiente, as ruas da cidade)."


E como considero importante o teor da referida crónica, decidi registar em post uma parte substancial do texto.


 

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