quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Ladainha, lenga-lenga e [des]governantes


 

Burro, estúpido, camelo, surdo, mudo, cu…

Burro, estúpido, camelo, surdo, mudo, cu…

Burro, estúpido, camelo, surdo, mudo, cu…

Foi-me dito, por quem é entendido nestes assuntos, que aquela ladainha, ao ser repetida com convicção durante trinta vezes e com o pensamento direccionado para alguém, torna essa pessoa incapaz, atrofiada, imbecil, desmemoriada, tolhida de movimentos e com os membros rígidos como os lombos de bacalhau seco [no caso de se tratar de alguém do sexo masculino, o quinto membro fica para sempre na posição de “pinga-pró-chão”], desprovida de olfacto e de tacto, com a visão reduzida ao mínimo dos mínimos, o que nem lhe permite vislumbrar as notas de 100 euros [diga-se em abono da verdade que isso também acontece a 99,99% da população portuguesa], de paladar aferido para vomitar tudo o que não seja restos dos refeitórios das prisões portuguesas e com a audição diminuída ao ponto de só ouvir os seus próprios pensamentos.

Ora acontece que, ao saber das propriedades daquela ladainha, comecei logo a ensaiar a primeira série com a figura do primeiro-ministro no meu subconsciente. Ainda não sei se os efeitos já começaram a manifestar-se no dito, mas estou disposto a continuar tantas vezes quantas as que forem necessárias, pois convicção e empenho são coisas que não me faltam.

Mas vou necessitar da ajuda de todos os que tiverem acesso a este texto para levar a bom termo esta cruzada de “eliminar” a classe política que nos tem [des]governado ao longo das últimas quatro décadas. É que dizer a ladainha trinta vezes, com a intenção dirigida a cada um dos [des]governantes do nosso país, nem daqui a cento e vinte e cinco anos consigo terminar esta tarefa. É que eles são tantos, tantos!

De facto, são em tal número que nunca mais acabam. Os [des]governantes, claro! Senão, comecemos a contar: o presidente do país, a presidente e os vice-presidentes da assembleia da república, as deputadas e os deputados, o presidente e os juízes do supremo tribunal de justiça, o presidente e os juízes do tribunal constitucional, o presidente e os membros do tribunal de contas, o primeiro-ministro, o vice-primeiro-ministro, as ministras e os ministros, as secretárias de estado e os secretários de estado, as subsecretárias de estado e os subsecretários de estado, os chefes da casa civil e da casa militar do presidente do país, as assessoras e os assessores dos chefes da casa civil e da casa militar do presidente do país, as assessoras e os assessores da presidente e dos vice-presidentes da assembleia da república, as assessoras e os assessores do presidente e dos juízes do supremo tribunal de justiça, as assessoras e os assessores do presidente e dos juízes do tribunal constitucional, as assessoras e os assessores do presidente e dos membros do tribunal de contas, os chefes de gabinete do primeiro-ministro, os chefes de gabinete do vice-ministro, as assessoras e os assessores do primeiro-ministro, as assessoras e os assessores do vice-ministro, as assessoras e os assessores das ministras, as assessoras e os assessores dos ministros, as assessoras e os assessores das secretárias de estado, as assessoras e os assessores dos secretários de estado, as assessoras e os assessores das subsecretárias de estado, as assessoras e os assessores dos subsecretários de estado, as especialistas e os especialistas do primeiro-ministro, as especialistas e os especialistas do vice-ministro, as especialistas e os especialistas das ministras, as especialistas e os especialistas dos ministros, as especialistas e os especialistas das secretárias de estado, as especialistas e os especialistas dos secretários de estado, as especialistas e os especialistas das subsecretárias de estado, as especialistas e os especialistas dos subsecretários de estado, as consultoras e os consultores das assessoras e dos assessores do primeiro-ministro, as consultoras e os consultores das assessoras e dos assessores do vice-ministro, as consultoras e os consultores das assessoras e dos assessores das ministras, as consultoras e os consultores das assessoras e dos assessores dos ministros, as consultoras e os consultores das assessoras e dos assessores das secretárias de estado, as consultoras e os consultores das assessoras e dos assessores dos secretários de estado, as consultoras e os consultores das assessoras e dos assessores das subsecretárias de estado, as consultoras e os consultores das assessoras e dos assessores dos subsecretários de estado. Ufa!... que grande corja de incompetentes e medíocres [com raríssimas excepções, um aqui, outro acolá]!

Falta ainda referir os detentores do poder local, aqueles que mandam bitaites nas autarquias deste país. Então, continuemos a contar: os presidentes das câmaras, os vice-presidentes das câmaras, os vereadores, os presidentes e os vogais das mesas das assembleias municipais, os chefes dos gabinetes dos presidentes das câmaras, os chefes dos gabinetes dos vice-presidentes das câmaras, os chefes dos gabinetes dos vereadores, os chefes dos gabinetes dos presidentes e dos vogais das mesas das assembleias municipais, as assessoras e os assessores dos presidentes das câmaras, as assessoras e os assessores dos vice-presidentes das câmaras, as assessoras e os assessores dos vereadores, as assessoras e os assessores dos presidentes e dos vogais das mesas das assembleias municipais, as assessoras e os assessores dos chefes dos gabinetes dos presidentes das câmaras, as assessoras e os assessores dos chefes dos gabinetes dos vice-presidentes das câmaras, as assessoras e os assessores dos chefes dos gabinetes dos vereadores, as assessoras e os assessores dos chefes dos gabinetes dos presidentes e dos vogais das mesas das assembleias municipais, as especialistas e os especialistas das assessoras e dos assessores dos presidentes das câmaras, as especialistas e os especialistas das assessoras e dos assessores dos vice-presidentes das câmaras, as especialistas e os especialistas das assessoras e dos assessores dos vereadores, as especialistas e os especialistas das assessoras e dos assessores dos presidentes e dos vogais das mesas das assembleias municipais. Ufa!... outra grande corja de incompetentes e medíocres [com raríssimas excepções, um aqui, outro acolá]!

Ora quantos são?... Eh pá, não sei, perdi-lhes a conta. Como estava a contar pelos dedos, as extremidades dos ditos da mão canhota já estavam com a pele quase a desfazer-se de tantas vezes que lá passei com a ponta do indicador da outra mão. E, então, desisti de contá-los. Mas sei, sem medo de errar por muito, que o número tende para o infinito.

Para completar o quadro acima, e apesar de não se enquadrarem no conceito de governantes ou de des[governantes], deve-se juntar às corjas acima referidas os manda-chuva das empresas públicas ou para-públicas, dos institutos públicos, das organizações oficiais, das fundações, etc., que influenciam pela negativa, ou até infernizam, o dia-a-dia de milhões de portugueses. E estão nesse grupo os presidentes, os vice-presidentes e os vogais dos conselhos de administração, os presidentes, os vice-presidentes e os vogais dos conselhos executivos, os directores e os subdirectores daquelas entidades, que se podem enumerar resumidamente: EDP, Galp, BdP, CTT, CGD, BES, BPI, Banif, BPN, etc.

Para além do problema da enorme quantidade de paspalhos a mamar dos impostos pagos por todos nós, a outra questão de grande importância que é necessário referir é a incompetência e a mediocridade que os [des]governantes revelam no dia-a-dia. Provenientes quase todos das juventudes partidárias e com percursos apenas nos aparelhos dos seus partidos, e o mesmo se diga dos principais elementos dos partidos da oposição, apresentam-se no desempenho de funções governativas com um desconhecimento quase completo do mundo real e das verdadeiras questões que servem os interesses da população em geral. Com falta de respeito pela lei fundamental do país, pelas outras leis e pelas regras consagradas há muito, os sem-vergonha firmam contratos em que apenas são salvaguardados os interesses privados do poder económico e acabam por lesar o Estado [ou seja, todos nós] em milhares de milhões de euros, desde as parcerias públicas privadas nas áreas das vias rodoviárias e dos transportes, à compra dos submarinos, aos swaps, aos vistos gold, etc. E, ao mesmo tempo, como forma de compensar os favores concedidos às grandes empresas nacionais e internacionais, com as “luvas” da corrupção vão obtendo grandes proventos, que lhes são pagos de imediato em sacos azuis por baixo da mesa ou transferidos para contas em offf-shores, ou que lhes são prometidos com a atribuição de “tachos” bem remunerados nessas empresas quando os sem-vergonha deixarem os poleiros do poder. Paralelamente, vão contratando, a grandes escritórios de advogados amigos, a legislação apropriada aos interesses do grande capital, por forma a, de modo escandaloso, expropriar dos seus direitos os portugueses em geral e, em particular, os funcionários públicos, os reformados e os pensionistas.

Ao pensar na mediocridade e na incompetência dos que nos [des]governam, dá-me cá uma gana de incentivar toda a gente a gritar-lhes:

Burro, estúpido, camelo, surdo, mudo, cu…

Burro, estúpido, camelo, surdo, mudo, cu…

Burro, estúpido, camelo, surdo, mudo, cu…

Março/2014

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Vida e morte


 
O momento em que a porta da vida se abre é mais ou menos previsível. Com semana a mais ou semana a menos, a vida surge na altura esperada.

Já o fecho daquela porta é quase sempre imprevisível. E isto é o mesmo que dizer que a porta da morte abre-se quando menos se conta. Por isso, também se diz que a morte faz parte da vida ou que a distância que separa a vida da morte é infinitamente diminuta ou com tendência muito forte para o cagasésimo ou até mesmo para o quase zero.

Falar da vida é muito mais corrente do que falar da morte. Falar da vida traz consigo alegria, esperança ou futuro. Quando a conversa é acerca da morte, então aí vem tristeza, desespero ou passado. Mas, se pensarmos que a vida e a morte são questões indissociáveis, ou seja, não há morte sem vida, é um pouco difícil de entender a razão que leva as pessoas a olharem a morte como um tabu. E não é por se falar de menos da morte que esta não nos vem cobrar a vida vivida, quer esta tenha sido muito curta ou demasiado longa.

Outra questão que se prende com este tema é a publicitação e a celebração que se fazem em cada um destes acontecimentos.
 
O nascimento de uma vida, até pela sua previsibilidade, é anunciado aos familiares e aos amigos próximos com alguns meses de antecedência. E até o momento preciso desse episódio é normalmente presenciado por pessoal médico especializado e, quando a tal se dispõe, também pelo companheiro da dona da “porta” dessa vida. Como se trata de um evento alegre, festivo, os familiares e os amigos reúnem-se dois ou três meses depois numa cerimónia para comemorar a chegada dessa vida, trajando quase todos com alguma formalidade e de cores quentes.

Por seu turno, o falecimento de alguém, pela sua imprevisibilidade, só é comunicado após ter acontecido. E isto sucede apesar da sua inevitabilidade, isto é, quando alguém nasce sabe-se com certeza absoluta que, poucos ou muitos, anos mais tarde há de a morte aparecer, visto que “ninguém fica cá para semente”. Como imprevisível que é, muitas vezes a morte surge de forma solitária, apenas com a presença de quem, num abrir e fechar de olhos, “sente” a porta da vida a fechar-se. E isto verifica-se a miúde nos casos de contingências diversas, como nos acidentes rodoviários, ferroviários ou de aviação, desastres naturais, etc. Contudo, noutras ocasiões, a morte contem uma certa dose de previsão, quando uma doença grave e alongada no tempo faz crer que a sua vinda está para breve. E aí, nesses casos, o instante preciso da sua ocorrência é quase sempre acompanhado por familiares chegados, bem como por pessoal médico especializado. O anúncio da morte de uma vida é feito de modo triste, grave e pesaroso, muitas das vezes passa de familiar para amigo num esquema de “passa-palavra”, ou então nas páginas próprias dos jornais locais. E, quase sempre, o último acompanhamento do corpo sem vida, do morto que foi vivo, é processado de forma triste, grave e pesarosa, numa procissão de dezenas de familiares, amigos, vizinhos e conhecidos, quase todos vestidos de cores escuras e frias.

 E tudo isto faz-me pensar na privacidade no momento da vida ou da morte. O que se deve considerar privado ou público nessas ocasiões?

 

Dezembro/2013

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

A fórmula roubada


 

Corriam os últimos meses do ano de 1656 e em Portugal reinava D. João IV. Isto de referir que D. João reinava é apenas uma forma de dizer, pois, em boa verdade, era a rainha D. Luísa, sua mulher, que, no dia-a-dia e com mão de ferro, orientava os cordelinhos da governação, sempre com o fito nos interesses maiores da família real e do reino.

E se não fosse D. Luísa de Gusmão, com a sua maneira determinada e rápida de agir nos momentos críticos, talvez o nosso país fosse hoje uma província da vizinha Espanha. Foi com as suas palavras “que mais valia rainha um dia do que duquesa toda a vida” que conseguiu motivar o indeciso marido, ainda duque de Bragança, a aceitar o trono do reino português que lhe era proposto pelos conjurados. Estes mesmos que, uns dias mais tarde, no primeiro dia de Dezembro de 1640 haveriam de tomar de assalto o Paço da Ribeira e de restaurar a independência de Portugal, pondo fim à ocupação de Castela que já durava há cerca de 60 anos.

Mas, voltando ao ano em que começa este relato, o rei D. João andava há uns tempos bastante debilitado pela gota e por dores provocadas por pedras que os rins iam acumulando. A pedido dos médicos da corte, o boticário do paço real afadigava-se há meses em descobrir alguma mezinha que curasse o soberano das suas maleitas. Com esse fim, lá ia consultando tudo o que era conhecido sob a forma escrita acerca das plantas medicinais e das suas propriedades, desde livros e manuais antigos em latim até a um compêndio em chinês que tinha mandado traduzir de propósito. E, apesar de todas as suas tentativas, ainda não o tinha conseguido.

Até que uma manhã, depois de muitas horas de sono perdidas, o boticário descobriu um manuscrito já muito amarelecido pelo tempo, que não pelo uso, onde encontrou a referência a duas substâncias com designações esquisitas, que, tendo em conta as suas características e se misturadas nas proporções adequadas, talvez resultassem no remédio de que o rei andava necessitado.

E se bem o descobriu e leu, melhor fez em guardar o tal manuscrito em sítio seguro de olhares alheios e, apenas de memória, passar para o livro de registo das patentes a seguinte fórmula: valsartan/hidroclorotiazida 160 mg/12,5 mg.

Com letras bem legíveis, o que, em tratando-se de médicos ou de farmacêuticos, era à época, como ainda é hoje, muito difícil de encontrar, o boticário real copiou a primeira parte da fórmula para um naco de papel e a restante, a das quantidades, para outro. De seguida, chamou dois jovens aprendizes e, a cada um, entregou um dos papeluchos, com a incumbência de, por caminhos diferentes, se dirigirem à loja de um mercador de plantas e sementes, situada numa ruela junto do rio.

A preocupação do boticário, ao indicar aos moços itinerários distintos para alcançarem o mesmo destino, tinha uma razão de ser. É que, naquele tempo, pululavam pela cidade de Lisboa cidadãos estrangeiros, nomeadamente ingleses, espanhóis, franceses e holandeses, que se dedicavam a diversas actividades, entre as quais a espionagem industrial que se prendia com a feitura de remédios e afins. E isto acontecia porque todas as semanas aportavam ao Tejo, vindas do Oriente, muitas embarcações carregadas de variadíssimas plantas e especiarias, muitas delas desconhecidas dos europeus.

E não é que o receio do boticário era fundado? É que um dos aprendizes, antes de chegar ao seu destino, foi assaltado numa quelha por dois espanhóis e logo morto à punhalada, para evitar que, mais tarde, viesse a reconhecer os assaltantes e os mandasse prender. Diga-se que, naquela época, a vida humana tinha muito pouco valor e amiúde, por dá cá aquela palha, os vizinhos e os forasteiros envolviam-se em rixas e matavam-se com tiros de arcabuz e golpes de espada ou de punhal. Diga-se também, em abono da verdade, que hoje em dia é quase a mesma coisa quanto ao valor dado à vida, sendo que agora os intervenientes e os meios são diferentes: de um lado da barricada temos os governantes e do outro a maioria dos portugueses, e no que respeita às armas, só utilizadas por aqueles, temos desde impostos exagerados a taxas imoderadoras sobre tudo e mais alguma coisa, desde sobretaxas estapafúrdias a contribuições especiais de solidariedade para com os poderosos e os ricaços, armas essas que não matam no imediato, mas que vão dizimar o povo português ao longo das próximas décadas. De volta ao infeliz e morto moço, era o que levava no bolso da jaqueta a parte da fórmula com os nomes das substâncias. Os assaltantes eram espiões ao serviço da coroa de Castela e tinham como missão descobrir alguma coisa a respeito da gravidade do estado de saúde do rei português. Tudo isto com vista ao planeamento de uma ofensiva, a partir de Badajoz, contra o castelo fronteiriço de Elvas, numa altura em que as forças armadas portuguesas estivessem com a moral em baixo, preocupadas com a saúde do seu rei.

Os dois castelhanos não eram nada bons em língua portuguesa e muito menos eram peritos em fármacos. Refira-se que estava longe no tempo a profissionalização da espionagem, o que só aconteceu com o aparecimento das organizações especializadas CIA, NSA, MI6, KGB e Mossad, ou a saga de filmes do James Bond. Mas, como espiões que eram, apesar de amadores, ao que estava escrito no papel roubado atribuíram o sentido de um texto codificado. Depois de várias horas dedicadas a conjecturas e decifrações, acabaram por chegar a esta frase descodificada: “De valsar tanto, o hidro passou a cloro. Tia Zida”. Como desconheciam por completo o que era o hidro ou o cloro e, por outro lado, também nunca tinham ouvido falar na tal tia Zida, ambos entenderam que deveria tratar-se de algum assunto particular de um familiar do patrão do rapaz assaltado. E se assim o entenderam, melhor decidiram o que fazer, ou seja, nada de especial relevo: rasgaram o papelucho em mil bocados e deitaram-nos ao rio.

O boticário acabou por saber que o aprendiz não tinha chegado à loja do tal comerciante através do outro, que regressou ao laboratório muitas horas depois e de mãos vazias. Mas, antes de fazer nova tentativa para obter as tais substâncias, aconteceu o que na corte portuguesa já toda a gente temia. Com a gota a atormentá-lo cada vez mais e as pedras a darem-lhe cabo dos rins, D. João IV de Portugal não teve forças para penar mais e acabou por falecer antes de terminar aquele ano.

E com aquele triste acontecimento, o farmacêutico da corte deixou de ter necessidade de encontrar a mezinha para a cura dos males do seu querido rei e perdeu também todo o interesse para continuar o seu trabalho, a tal mezinha à qual tinha dedicado, sem sucesso, tantos meses da sua vida. Mas, ao menos, ficava-lhe o pequeno consolo de ter registado a fórmula no livro das patentes do reino, porque, quem sabe, talvez um dia os vindouros pudessem aproveitar aquela fórmula para algum remédio de jeito.

 

 

Notas:

1.- Quase 350 anos depois destes factos, a dita fórmula chegou ao conhecimento de uma empresa farmacêutica multinacional que, após alguns testes laboratoriais, produziu um fármaco com as tais substâncias e nas doses indicadas. O medicamento não cura a doença da gota nem elimina as pedras nos rins, como pretendia o boticário. Mas, como já aconteceu noutras alturas com grandes descobertas científicas, serve para outro fim, ou seja, ajuda a controlar a tensão arterial elevada [hipertensão].

2.- A ideia deste texto surgiu-me há umas semanas, quando andava a ler o romance histórico, escrito por Isabel Stilwell, acerca de Catarina de Bragança, a filha de D. João IV que se tornou rainha de Inglaterra. Quase na mesma altura foi-me receitado um fármaco para controlar a tensão arterial, cujas substâncias activas são as referidas no texto. Da conjugação destes dois factos, leitura do romance e toma do medicamento, resultaram as linhas acima, que me deram bastante gozo escrever.

 

 

Fevereiro/2014

segunda-feira, 7 de abril de 2014

O que é irrevogável?




O “nosso” manhoso PP, actual vice-primeiro-submarino do governo, acaba de ganhar o braço-de-ferro que, desde há alguns meses, vinha mantendo com a Sociedade Portuguesa de Ciências e Letras a propósito da definição do vocábulo “irrevogável”.
Depois de várias deambulações pelos tribunais, com decisões em primeira instância e na Relação, e em ambos os casos com recursos das partes, o processo acabou por ser remetido para o Supremo Tribunal de [in]Justiça. Aqui, a questão foi considerada de prioridade absoluta, e para isso apenas foi tido em conta que o duplo Pê era uma das partes envolvidas.

Após três meses de estudo do dossiê, durante os quais houve exaustivas análises jurídicas, argumentação proficiente e aceso debate acerca do tema em questão, o S.T. [in]Justiça, em sessão do colectivo de sete juízes, aprovou por unanimidade o relatório redigido pelo seu relator.
E é desse relatório, ao qual tive acesso em segunda mão [a primeira foi do próprio relator, que consegui subornar com cinco euros, o custo de uma bifana e duas bejecas], que transcrevo a parte final:
“…
Deste modo, quase tudo é revogável. É revogável a decisão irrevogável do actual vice-primeiro-submarino, à época ministro de Estado e da defesa nacional, de se demitir do governo da altura, tal como é revogável quase tudo o resto. Desde as regras fundamentais da Constituição às leis da República, desde os contratos feitos pelo Estado com os funcionários públicos aos acordos estabelecidos há dezenas de anos pelo mesmo Estado com os reformados e os pensionistas, desde as promessas divulgadas em campanhas eleitorais às decisões dos tribunais transitadas em julgado [apenas no caso de terem sido favoráveis aos trabalhadores e aos mais pobres], desde a garantia expressamente manifestada pelos governantes pela defesa dos interesses do país à esperança dada aos portugueses na madrugada de 25 de Abril em terem liberdade de expressão e de reunião, direito ao trabalho e remuneração justa, melhores níveis de vida e dos cuidados de saúde, melhores condições de acesso ao ensino público e à habitação digna, e de poderem decidir os seus destinos, tudo isto é perfeitamente revogável.
Por último, decide-se que é irrevogável apenas a situação do filho da puta, porque, se a mãe do dito já era puta quando engravidou, não há volta a dar no que respeita aos momentos da fecundação do óvulo e do parto, visto que o tempo não volta para trás, como diz a canção. Portanto, o estado do filho da puta é mesmo irrevogável.
Cumpra-se o que agora foi decidido e dê-se conhecimento às partes.”
Por isso, na próxima edição do dicionário da Porto Editora a sair em 2015 ou no dicionário on-line da Priberam, o significado daquele vocábulo aparecerá como segue:
è Irrevogável - adj.: reporta-se apenas à situação do filho da puta.

 Nota:
 Peço desculpa aos leitores mais puritanos por algum vernáculo utilizado neste texto. Mas, do meu ponto de vista [*], creio que não o poderia deixar de usar, com vista a uma perfeita compreensão do texto.
 Talvez se queira perguntar se não teria sido possível empregar outras expressões, como, por exemplo, “filho da prostituta” ou até mesmo “filho da substituta”. Poder, em boa verdade, podia, mas não era a mesma coisa…
  
[*]
Esta expressão é perfeitamente dispensável, mas introduzi-a aqui para salientar a inutilidade do uso da “muleta” actualmente em voga nos discursos de políticos, dirigentes e comentadores da rádio e da televisão, e que veio substituir a que estava na moda há uns anos: “É assim,…”].

Obs.: A imagem acima foi obtida na internet.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Fausto Papetti




Fausto Papetti foi um saxofonista italiano, que nasceu no ano de 1923 em Viggiù, na Lombardia, tendo falecido em 1999 na cidade de S. Remo.

É considerado um dos melhores e mais talentosos saxofonistas de todos os tempos. Durante os 45 anos da sua carreira, tocou a maioria dos hits mais famosos do mundo e das músicas pop e de jazz do século XX. As suas obras têm sido amplamente divulgadas em todo o mundo ao longo das últimas seis décadas.

Papetti tornou-se conhecido nos anos 60 e 70 e, na altura, teve o mérito de, a cada lançamento de novo álbum, atingir o topo dos hit parade. Além da Europa, também foi editado em toda a América latina. Durante o período de maior esplendor, a década de 70, Papetti também produziu duas colecções por ano, sendo a 20ª raccolta a mais vendida, que surgiu pela primeira vez em 1975.

Como nota final, refira-se que os seus discos são caracterizados pelas capas sensuais.








quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Lenda do rio Lethes


[o rio do Esquecimento]




Comandadas por Decius Junius Brutus, as hostes romanas atingiram a margem esquerda do Lima no ano 135 a.C.
A beleza do lugar as fez julgarem-se perante o lendário rio Lethes, que apagava todas as lembranças da memória de quem o atravessasse.
Os soldados negaram-se a atravessá-lo. Então, o comandante passou e, da outra margem, chamou a cada soldado pelo seu nome. Assim lhes provou não ser esse o rio do Esquecimento.





 Nota: O texto foi retirado da placa da evocação inaugurada em Junho/2009, junto à ponte antiga sobre o rio Lima.


quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Coisas...




Ao ver aquele conjunto de objectos de ferro, já um pouco carcomidos pelo tempo, cravados na pedra da parede daquela casa, não resisti a focar a objectiva da máquina e… “click”! E ao centrar a minha atenção na peça central, a sua forma, agora mutilada talvez devido ao uso e ao correr dos anos, levou-me para memórias com algumas décadas…







...

Uma cozinha de casa de aldeia, ampla, com banco corrido encostado em perpendicular ao meio de uma das paredes. Na lareira, umas achas de pinheiro, já quase em cinzas, ainda dão calor a uma panela de ferro de tripé, onde um caldo de couves e courato aquece lentamente. E, junto da lareira, uma anciã, de porte alto e cara austera, com roupas de tons escuros, sentada num mocho de madeira com três pernas, remexe o caldo com uma concha de ferro na mão direita, enquanto a outra segura uma malga.
...

Olho a foto e interrogo-me: aquela era a concha da anciã?... Porque não?! Com as voltas e reviravoltas que damos às coisas…


quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Há outros momentos em que…




Há outros momentos em que, ao fazer uma busca pelo baú das recordações, onde se foi guardando tudo o que é do passado,

… um sorriso maroto ilumina a visão do primeiro beijo, inocente, dado à socapa à primeira namorada;

… um sorriso atento traz à baila as palavras do soneto simples, puro no sentimento, dedicado à amiga que preenchia os sonhos de adolescente;

… um sorriso de alívio recorda o fim de muitas vivências difíceis, impostas durante mais de dois anos, longe de casa e em clima de guerra;

… um sorriso aberto regista a esperança, despertada numa madrugada de Abril, em dias de paz, de justiça e de liberdade de expressão;

… um sorriso feliz reacende nos olhos a alegria imensa do momento em que se teve nos braços o filho nascido minutos antes;

… um sorriso calmo encaminha até ao pensamento tantas outras ocasiões agradáveis vividas ao longo de muitos anos.

E, por todos esses sorrisos, também há outros momentos em que, ao baixar a tampa daquele baú, procura-se o abraço terno de quem se gosta e murmura-se, docemente: a vida é bonita para viver contigo!



sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Espera é o quê?



Espera é o quê?... Ora, de acordo com o dicionário, uma das definições é que se trata do acto de esperar. Mas não é por aí que quero ir. O que me interessa, neste momento, é descobrir ou, sei lá, até desconstruir o que se pode encontrar no termo “espera”.

É uma atitude ou é um sentimento? Se a análise for feita pela via da atitude ou do comportamento, ou seja, pela percepção do que é externo e que pressupõe uma disponibilidade física, creio que se chega ao acto de esperar, como refere aquela definição. Mas, pelo contrário, se a pesquisa entrar pelo caminho da sensibilidade, do que se passa no interior e que se enquadra numa vertente psicológica, aí foge-se de todo ao que se lê no dicionário e vai-se encontrar o sentir de esperar. Parece ser, portanto, uma dicotomia de pontos de vista a respeito da mesma questão, dado que, no fundo, o que está em causa é apenas a “espera”.


Em situações concretas do dia-a-dia, e na figura de sujeito em modo de “espera”, seja lá do que for, apenas desejo manifestar-me em consonância com a primeira daquelas perspectivas se a minha disposição mental estiver também para aí virada.

E, para ti, espera é o quê?



quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Desnudada...





Tantas vezes te vi assim, desnudada... E, nesses momentos, tens outra beleza, diferente, mas de igual modo atraente aos meus olhos.

Tantas vezes te vi assim, desnudada... E, confesso, não me canso de ficar encantado, perplexo, a olhar o teu porte enorme, austero e simples.

Tantas vezes te vi assim, desnudada... E, mesmo quando te despojas das tuas roupagens, com suaves gestos ou com movimentos bruscos dos teus braços, apercebo-me que continuas segura de ti e orgulhosa das tuas origens com centenas de anos.

Tantas vezes te vi assim, desnudada... E interrogo-me sempre como consegues esperar pela moda da primavera/verão, a fim de adornar os contornos do teu corpo com novas rouparias de cores sempre iguais e sempre diferentes.

Tantas vezes te vi assim, desnudada... E, em cada ocasião, a dor da despedida é tão intensa que apenas a consigo mitigar com a saudade que logo sinto para voltar a ver-te assim, desnudada…