segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Vida e morte


 
O momento em que a porta da vida se abre é mais ou menos previsível. Com semana a mais ou semana a menos, a vida surge na altura esperada.

Já o fecho daquela porta é quase sempre imprevisível. E isto é o mesmo que dizer que a porta da morte abre-se quando menos se conta. Por isso, também se diz que a morte faz parte da vida ou que a distância que separa a vida da morte é infinitamente diminuta ou com tendência muito forte para o cagasésimo ou até mesmo para o quase zero.

Falar da vida é muito mais corrente do que falar da morte. Falar da vida traz consigo alegria, esperança ou futuro. Quando a conversa é acerca da morte, então aí vem tristeza, desespero ou passado. Mas, se pensarmos que a vida e a morte são questões indissociáveis, ou seja, não há morte sem vida, é um pouco difícil de entender a razão que leva as pessoas a olharem a morte como um tabu. E não é por se falar de menos da morte que esta não nos vem cobrar a vida vivida, quer esta tenha sido muito curta ou demasiado longa.

Outra questão que se prende com este tema é a publicitação e a celebração que se fazem em cada um destes acontecimentos.
 
O nascimento de uma vida, até pela sua previsibilidade, é anunciado aos familiares e aos amigos próximos com alguns meses de antecedência. E até o momento preciso desse episódio é normalmente presenciado por pessoal médico especializado e, quando a tal se dispõe, também pelo companheiro da dona da “porta” dessa vida. Como se trata de um evento alegre, festivo, os familiares e os amigos reúnem-se dois ou três meses depois numa cerimónia para comemorar a chegada dessa vida, trajando quase todos com alguma formalidade e de cores quentes.

Por seu turno, o falecimento de alguém, pela sua imprevisibilidade, só é comunicado após ter acontecido. E isto sucede apesar da sua inevitabilidade, isto é, quando alguém nasce sabe-se com certeza absoluta que, poucos ou muitos, anos mais tarde há de a morte aparecer, visto que “ninguém fica cá para semente”. Como imprevisível que é, muitas vezes a morte surge de forma solitária, apenas com a presença de quem, num abrir e fechar de olhos, “sente” a porta da vida a fechar-se. E isto verifica-se a miúde nos casos de contingências diversas, como nos acidentes rodoviários, ferroviários ou de aviação, desastres naturais, etc. Contudo, noutras ocasiões, a morte contem uma certa dose de previsão, quando uma doença grave e alongada no tempo faz crer que a sua vinda está para breve. E aí, nesses casos, o instante preciso da sua ocorrência é quase sempre acompanhado por familiares chegados, bem como por pessoal médico especializado. O anúncio da morte de uma vida é feito de modo triste, grave e pesaroso, muitas das vezes passa de familiar para amigo num esquema de “passa-palavra”, ou então nas páginas próprias dos jornais locais. E, quase sempre, o último acompanhamento do corpo sem vida, do morto que foi vivo, é processado de forma triste, grave e pesarosa, numa procissão de dezenas de familiares, amigos, vizinhos e conhecidos, quase todos vestidos de cores escuras e frias.

 E tudo isto faz-me pensar na privacidade no momento da vida ou da morte. O que se deve considerar privado ou público nessas ocasiões?

 

Dezembro/2013

Sem comentários: